A Transformação
Estava frio. Um frio que gelava todos os ossos que constituem o esqueleto.
Tinha acabado de subir para o meu quarto, após um grande serão com os meus pais em que tínhamos estado a debater como era a vida de um adulto, o que faziam, o que era obrigação e dever do próprio… enfim, uma questão infindável que nos entreteve durante longas horas.
O frio era imenso e por isso, não me conseguia mexer. Bastava movimentar-me nem que fosse um milímetro do sítio em que me encontrava, que já não conseguia aquecer, por isso pus a meus pés um saco de água quente que de nada valeu. Fechei os olhos e adormeci, mas passados cinco minutos, acordei assarapantado.
Tinha-se formado uma trovoada tremenda, em que os trovões eram simplesmente ensurdecedores.
Tentei não pensar muito, mas o medo permanecia em mim desde aquele episódio em que o vizinho se esqueceu de desligar a decoração de natal e… não quero recordar novamente esse desastre.
Olhei para a janela e vi um clarão. Parecia que o céu se tinha aberto e o Sol incidia na janela!
Fiquei assustado e impulsivamente fechei os olhos, adormecendo novamente.
Acordei pela manhã e, quando levei a mão à cara para me coçar (este gesto faz parte da minha rotina matinal), senti a pele muito áspera e a picar muito.
Alarmado, sentei-me na cama e pus os pés no chão para me levantar. Verifico, ao olhar para a esquerda que a minha mesa-de-cabeceira, sem explicação, tinha encolhido.
Pensei logo que os meus pais estivessem a remodelar o meu quarto e por isso não me alarmei e segui para a casa de banho, liguei a luz e olho-me ao espelho.
Não conseguia acreditar no que via! Tinha-me, como se por magia, transformado num adulto! Tinha barba e media cerca de um metro e noventa.
Chamei pelos meus pais e ao fazê-lo notei que também a minha voz tinha mudado.
Como ninguém me respondeu, dirigi-me ao seu quarto e, não estando habituado a ver o mundo de tão alto, bati de cabeça contra uma parede.
Olhei para a cama deles e … nada. Puxei o lençol e aí apercebi-me de que os meus pais se tinham transformado em crianças que rondavam os nove, dez anos de idade.
Fiquei embasbacado! Como poderia uma coisa destas ter acontecido da noite para o dia?!
Apesar de ter ficado sem perceber, deparei-me com uma situação: eu tinha-me transformado no chefe da casa e, acima de tudo, tinha uma grande responsabilidade: a de cuidar dos meus pais como se de meus filhos se tratassem.
Abri o frigorífico. Não havia comida nenhuma e por isso dirigi-me ao supermercado, como qualquer adulto faria, mas ao efetuar o pagamento verifiquei que me sobrava pouquíssimo dinheiro.
Abri o correio e deparei-me com a conta do gás, da luz e da água. Não tinha dinheiro suficiente para pagar. Tinha que arranjar emprego e candidatei-me, logo, a operador de caixa. Esperei a resposta, mas não consegui o emprego, pois quando fui contactado, o responsável informou-me que com tão poucos estudos, até para varredor de ruas seria difícil. Fiquei estonteado.
Nos dias que se seguiram intensifiquei a minha procura para arranjar emprego, mas nada!
Apercebi-me, então, que a vida de um adulto não era fácil e que eu deveria ter aproveitado ao máximo a minha infância, não só para me divertir, enquanto as responsabilidades eram poucas, mas também para estudar para poder garantir um emprego estável e que proporcionasse uma vida calma e confortável do ponto de vista financeiro.
Cansado dos últimos dias, deitei-me e adormeci rapidamente.
Enquanto dormia sentia-me bem, pois não tinha de pensar nos problemas do dia-a-dia.
Certa noite, acordei com trovões que ecoavam por toda a casa. Apesar de ter crescido subitamente, o meu medo dos trovões ainda não tinha desaparecido, pelo que deixei o corpo escorregar para os pés da cama para me aconchegar mais, pois o frio apertava e tentei adormecer de novo.
De manhã, acordei com o suave chilrear dos pássaros. Levei a mão à cara para me coçar como era habitual e …
Nada. Isto é, a minha pele não era áspera e não picava. A barba tinha desaparecido. Levantei-me e olhei para a minha mesa-de-cabeceira; tinha outra vez o tamanho com que eu sempre a tinha visto.
Cheirou-me a waffles com um delicioso chocolate negro derretido no momento e despejado para cima do próprio; dirigi-me à cozinha. A minha mãe estava a preparar as deliciosas waffles a acompanhar com uma majestosa chávena de chocolate quente.
Aparentemente tudo tinha voltado ao normal, excepto uma coisa: a minha visão da vida adulta.
Mas o mistério continuaria por desvendar!
9ºA – F. Soares
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