quinta-feira, 27 de maio de 2010

ESCRITA CRIATIVA

De início, os sonhos eram meras cortinas de nevoeiro cintilante, macio e quente, que se movia, arrastando a minha essência num espaço sem princípio nem fim, onde o tempo não tinha significado e o silêncio era soberano. Depois chegaram os sons, quais intrusos arruaceiros; estrépitos na quietude da minha insconciência. E a claridade… Um sol tão brilhante que causava cegueira.


Coloquei os óculos de sol para me proteger da claridade que me cegava e saí de casa, pois não me apetecia manter com aquele espaço qualquer tipo de cumplicidade. Não, não havia claridade alguma, nem sol que pudesse causar-me cegueira. Os óculos de sol faziam-me perceber que também cá fora, o mundo estava às escuras.
Segui sem rumo certo, qual Alice no País dos Desencantos (Poderia dizer-me, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui? – perguntou Alice. – Isso depende bastante aonde você quer chegar – disse o Gato. – O lugar não me interessa muito …. – disse Alice. – Então não interessa que caminho você vai tomar…) e subi a Avenida da Liberdade; enquanto a percorria, lentamente, observei, de um lado e do outro, os canteiros de amores-perfeitos amarelos e lilases que enchiam de alegria os passeios coloridos, naquele princípio de tarde fresca. Senti-me bem, mas não sabia para onde ir ( … desde que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice em forma de explicação. – Oh!, você vai certamente chegar a algum lugar – disse o Gato – se caminhar bastante.)
Continuei a caminhar. Um vento suave afagou-me, com ternura, o cabelo, a face, as mãos e como um manto transparente e belo foi-me envolvendo, aos poucos.
Profª Lucília Achando


À minha volta, tudo parecia estranho! Tanta gente! Para onde iriam com tanta pressa que os não deixava olhar para os lados e observar a beleza com que a natureza nos presenteava? Só mesmo a natureza, com a sua generosidade, para nos oferecer algo sem nada exigir.

Senti necessidade de me reconfortar um pouco, beber um café quente. Entrei num café solitário onde um rapaz de aspecto indolente limpava pachorrentamente o balcão com um pano cor de sujo – diga, disse ele assim que entrei – um café, por favor, respondi.

Com a mesma falta de vontade com que limpava o balcão se voltou para a máquina do café, a fim de executar a sua tarefa. Sem pressa. Tudo parecia triste, naquele lugar!

Olhei em redor a ver se vislumbrava algo que me pudesse mostrar algum sinal de beleza ou jovialidade. Em frente, na parede um pouco acima do balcão um conjunto de espelhos encostados uns aos outros, tristes e foscos olhavam-me, com desdém. O menos fosco, talvez, olhou-me para me devolver a inquietação. Obrigado espelho, onde está o teu brilho?

E, num segundo, como que para economizar tempo, devolveu-me, também, o meu mundo negro, que era também o do rapaz mole que, molemente, limpava o seu balcão com um pano cor de sujo.

Saí apressadamente antes que o rapaz se virasse e arrastasse para o balcão o meu café.

Imaginei a sua indiferença. Talvez até nem encolhesse os ombros. Também para ele o mundo estava às escuras. E tive pena.

Deambulei pela avenida acima o tempo suficiente para me aperceber que o silêncio continuava soberano. Tanta gente e ninguém! O tempo tinha parado.

Num instante, acordei do langor em que me encontrava quando um carro buzinou violentamente aos meus ouvidos e vi um condutor zangado, de braços no ar, de aspecto furioso, qual intruso arruaceiro e ameaçador que, sem pudor, me despertou, definitivamente dos meus sonhos e me trouxe à realidade.

Tirei os óculos e um maravilhoso sol de fim de dia envolveu-me maternalmente. Subitamente, todos os meus sentidos acordaram para a vida que se exibia para mim. A folhagem das árvores dançava suavemente ao ritmo constante e musical do vento e segredava-me:

- Como é bela a natureza!

À direita e à esquerda tudo era, afinal, alegria e boa disposição e até os pássaros pareciam querer dar as boas vindas à primavera. O perfume das flores já invadia o ar, emprestando-lhe um aroma inconfundível a vida.

Ao regressar a casa, percebi que esta mantinha intactos todos os meus segredos. E não gostei!

- Não faz mal – pensei. Amanhã o dia nascerá claro para me deixar discernir o que fazer e os sonhos, que de início eram meras cortinas de nevoeiro cintilante, macio e quente, que se movia, arrastando a minha essência num espaço sem princípio nem fim, tornaram-se, subitamente nos conselheiros de que precisava para pôr um ponto final na inquietação que há dias me atormentava.

Apaguei a luz, deitei-me e adormeci tranquila.



Profª Lucília Achando

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